Germinei semente de vida, nasceu poesia!
Essa não é só mais uma história de amor. Essa é também
uma história de medo, de vida, de epifania, de alegria e de morte. Esse ciclo
que gira continuamente, indiferente ao nosso desejo e que jamais cessa. Essa é
a história da minha história e do porquê me transformo no maior transbordamento
de afeto quando o assunto é maternidade.
Contrariando expectativas e a boa educação recebida de
minha mãe, engravidei na adolescência. Talvez você aí que me lê também tenha
passado por isso ou conheça alguém que passou, que passe... Não foi fácil. Mas
também não foi tão difícil assim. Eu tinha apenas 16 anos, a melhor mãe do
mundo e um tanto de alienação que percebo ter sido fundamental para segurar minha
barra durante todas aquelas transformações.
Ao mesmo tempo em que eu descobria esse mundo todo
novo da maternidade, eu passava por uma crise terrível de depressão. Fui medicada
durante a gestação. Fiquei isolada em casa por um tempo, reclusa, poucas amigas
me visitavam esporadicamente. Mas os 8 meses e 10 dias até o nascimento do meu
bebê transcorreram, de modo geral, serenos, sem maiores sobressaltos.
No quinto mês, descobri que seria um menino. Decidi dar-lhe
o nome Enzo Gabriel. Enzo pelo forte significado: príncipe guerreiro. Gabriel pelo
meu fanatismo pela cantora Paula Toller e pela música que ela fez para o seu
filho Gabriel (“Oito Anos”). Meu filho tinha mãe, tinha nome e teve todas as
chances para nascer e ser feliz num lar acolhedor e cheio de amor.
Andei de mãos dadas com meus anseios, chorei um pouco
no escuro do quarto quando a noite chegava, fiz-me mil perguntas sem respostas
sobre o futuro que se descortinava ante meus olhos estupefatos de surpresa e lucidez.
Escrevi poemas de amor para aquele ser que eu ainda sequer conhecia. Morria um
pouco de mim todo dia, e todo dia, feito fênix, eu renascia na possibilidade do
vindouro, na promessa bonita de vida que segue e se perpetua a partir de mim.
Eu me sentia sagrada. Eu não me sentia imunda, suja ou
indecente, como muitos quiseram me fazer sentir. Eu tinha esse pensamento que
meu corpo era templo bendito, abençoado pela chance incrível de gerar uma vida,
um mini-humano que eu sabia que seria meu melhor amigo. Ao final da gestação, eu
só conseguia estar feliz. A depressão havia me abandonado e eu podia vivenciar
cada momento plenamente, desde comprar o primeiro livrinho a imaginar um futuro
anos além, todo nosso. Eu me antecipava.
Se tem algo que aprendi é que amor de mãe, mais que
qualquer outra forma de amor, se antecipa. Se desprende de nós, assim como a
cria se desprende do nosso útero para vir à vida. Nós, mães, também nascemos
junto com eles. Quando nasce o filho, nasce a mãe... E dessa simbiose incomparável,
flui esse amor que se faz maior que nós mesmas, mães, ainda filhas e, no meu
caso, ainda menina.
Enzo Gabriel chegou ao mundo no Dia da Poesia – o maior
presente para uma mãe-poeta – e tudo se iluminou. Nada era tão pleno de vida e
amor quanto meu filho. Eu podia sorrir sem medo, sem reservas... Eu agora era
mãe. E como previsto, meu bebê se tornou meu melhor amigo, aquele a quem eu
dedicava versos de plenitude e de luminescência.
Tínhamos esse ritual todo nosso de nos enviarmos
cartas por baixo da porta um para o outro. E ele gritava “Carteirooooo”. Era o
momento mais poético de nossos dias. Trocamos dezenas e dezenas de cartas de
amor, de declarações exageradas e ainda sinceras e a nossa casa era nossa bolha
de afeto no mundo. Era tudo sobre Enzo, sua pequena mão segurando a minha e eu,
amando-o devotadamente, com calma e fúria, como somente amam os apaixonados.
Mas um dia, quando meu filho tinha 5 anos, 5 meses e
13 dias, ele morreu. Tomou um choque elétrico que lhe matou instantaneamente. Posso
afirmar que morri também. E nos dias que se seguiram, eu, morta-viva que fiquei,
escutei sua voz gritando “Carteirooooo” para mim. Eu me levantava e não havia
ninguém lá. E, assim, muitos dias, meses e anos se sucederam até que a voz dele
foi sumindo lentamente de dentro dos meus ouvidos, mas jamais da minha alma.
Enzo me ensinou a ser mãe, a ser plena desse amor
único e absoluto e eu não poderia jamais decepcioná-lo com algo tão banal como
a perda da memória de um tempo perfeito e que não volta. E, eventualmente, a
vida vai retomando seu rumo... os dias se fazem menos doridos e, sem menos
perceber, é possível respirar de novo.
Meu filho, nessa ausência marcada pela saudade, pela
dor do luto e pela distância, eu só posso dizer que “eu te respiro-me”, como um
dia escreveu Clarice Lispector. E isso ainda nem chega perto da magnitude do significado
desse que é o maior amor do mundo.
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