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Toda mãe é um ser imaginário

by - 00:30

Foto: "Three Wonders"- Kate M. Bergreen


Toda mãe é um ser imaginário.

Ninguém nota. Mas é.

A gente nem desconfia de que ela é, apenas, mãe. A gente se esquece disso desde que a gente é filha, e cresce achando que a mãe tem superpoderes: a gente jura que beijo de mãe cura machucado, a gente tem certeza de que as mães sabem tudo e não têm medo de nada, a gente acredita que mãe é um mítico ser onisciente e imortal. A mãe conhece o paradeiro dos objetos perdidos, as respostas para tudo que não admite explicação e detém, entre outras habilidades inatas, o dom da previsão meteorológica: se ela diz pra você levar um casaco, pode apostar que vai esfriar. Se, em um dia ensolarado, ela avisa “leva um guarda-chuva”, vai chover, e a cântaros. Mãe é um negócio mágico, assustador e ninja. E quando se está na iminência de aceitar que mãe é tão somente uma reles humana, a gente se lembra daquelas coisas.

Aquele dia em que você levantou numa super bad e ela – ao invés de puxar a ladainha “vai já arrumar teu quarto/ o cheiro desse tênis ainda vai matar alguém/ que ninguém pense que tu aprendeu a ser relaxado(a) desse jeito com a tua mãe” – fez a sua comida preferida (que seria capaz de promover a paz mundial se os grandes líderes do planeta tivessem o privilégio de serem servidos pela sua matriarca), o melhor pudim de leite que já existiu e, estranhamente, não mandou você lavar a louça.
Aquele dia em ela jogou por terra seus planos de sair com a turma e você argumentou que todo mundo ia, mas ela respondeu “tu não é todo mundo” e você foi ruminar a raiva no quarto em meio a lágrimas, planos de alforria, cartas de protesto e músicas deprê, para, no dia seguinte, descobrir que ela acabou salvando você de uma tremenda roubada. As memoráveis cabeçadas que você dá na vida sempre que ignora os conselhos dela, e todas as plaquinhas de “eu avisei” que ela não levanta, mas estão ali, brilhando nos seus olhinhos maternais e no cantinho de um sorriso vencedor de que ela só não deu pinta para não piorar o seu vexame.

Aquele suposto amigo que, na real, era um grande pelego, e ela, desde que soube da existência do vivente, profetizava “te cuida com esse tipo aí, que não é boa coisa”. Aquele dia em que você não disse uma palavra e disfarçou o melhor que pôde, mas ela sabia exatamente o que você estava pensando/fazendo/querendo/todas as anteriores. Todas as vezes em que você testemunhou a sua doce mãezinha se transformar no Godzilla – algumas em sua defesa, outras para acabar com a sua raça.

A gente nem desconfia de que mãe é apenas mãe porque ela tem esse jeito de pitonisa, bruxa, samurai, fada madrinha, curandeira, repórter investigativa, Dr. Jeckyl, Mr. Hyde. Um quê encantado que não a desumaniza, mas a aproxima de tal maneira de um ideal de divindade a ponto de, não raro, esquecermos que mães são filhas, irmãs, meninas tentando encontrar seu lugar no mundo.  A sociedade espera que elas sejam perfeitas, os filhos esperam que elas sejam perfeitas, elas esperam ser perfeitas – e, para uma mãe, a massacrante cobrança de perfeição e êxito apavora na mesma medida que frustra. Toda mãe – as nossas mães, as mães que somos, as que seremos – é um ser imaginário. Se não mergulharmos além da superfície, o que percebemos à primeira vista nem se compara ao que lhe habita as profundidades. E, ao olhar para ela, que nunca falte cuidado e carinho para compreender que, sob a capa de super-heroína, há apenas uma mulher, cheia de medos, inseguranças, defeitos e anseios, cujo diferencial é ser capaz de amar como ninguém.

Perdoe, então, o orgulho que a sua mãe tem de mostrar as suas fotos de criança para todas as visitas, a ojeriza que ela faz questão de ostentar em relação aos seus calçados sujos,  cada “só vou falar uma vez”, “em casa nós conversamos”, “não fez mais do que a sua obrigação”. Se um dia você for mãe, vai fazer exatamente a mesma coisa. E, se não for, vai sentir uma saudade danada de tudo isso. Porque é assim que as mães são. Porque se elas fossem diferentes, não seriam tão maravilhosas. Porque toda mãe é um ser imaginário, mas amor de mãe é a coisa mais real que existe, e nos acompanha pela vida inteira.




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